A poluição com ureia pode desencadear a produção, por parte das algas oceânicas, de uma toxina mortal chamada ácido domóico, descobriram os cientistas.
A investigação pode ajudar a explicar várias mortandades em massa de animais, incluindo uma de aves que se diz ter sido a fonte de inspiração para Alfred Hitchcock realizar o famoso filme de terror "Os pássaros".
Raphael Kudela, oceanógrafo na Universidade da Califórnia, Santa Cruz, fez a descoberta depois de estudar a alga Pseudo-nitzschia australis, uma espécie frequente em águas temperadas e subtropicais. Apesar de os florescimentos desta alga serem geralmente benignos, há muito que se sabe que por vezes originam ácido domóico.
À semelhança das gaivotas kamikaze retratadas no filme de terror de 1963, os animais envenenados com ácido domóico apresentam padrões comportamentais erráticos. A 18 de Agosto de 1961 os residentes da cidade de Capitola, Califórnia, acordaram com pardelas-pretas Puffinus griseus a chocar com os telhados e as ruas cobertas de aves mortas. De acordo com um jornal local, Alfred Hitchcock, que vivia a poucos quilómetros de distância, pediu cópias das notícias como "material de investigação para o seu último thriller".
Apesar de os investigadores só poderem especular quanto à intervenção do ácido domóico neste acontecimento histórico, os toxicólogos modernos já associaram de forma conclusiva a toxina a casos mais recentes.
Em 1987 marisco contaminado envenenou 100 pessoas na ilha do Príncipe Eduardo no Canadá, matando três e causando muitos casos de amnésia. Em 1998, 400 leões-marinhos desorientados morreram ao longo das costas da Califórnia central, com o ácido domóico a ter origem num cardume de peixe contaminado ao nadar através de uma maré tóxica antes de ser devorado pelos leões-marinhos. "Com intervalo de alguns anos surge um grande surto que causa a morte de lontras, pelicanos ou leões-marinhos", diz Kudela.
"O ácido liga-se fortemente a receptores superficiais de neurónios excitatórios, o que impede que estas células deixem de enviar impulsos nervosos", diz Melissa Miller, veterinária do Departamento de Pesca e Caça da Califórnia em Santa Cruz. É verdade que a toxina não torna os animais homicidas mas os danos cerebrais provocam padrões comportamentais estranhos antes da morte, diz ela.
Pensa-se que a poluição de origem humana desempenha um papel nesta situação mas os investigadores não tinham sido capazes de identificar o contaminante que leva a P. australis a começar a produzir ácido domóico. "Certamente é uma combinação de factores, o que torna difícil mostrar a relação causa-efeito", diz Kudela.
Por isso, ele e os seus estudantes testaram uma série de químicos presentes em fertilizantes, incluindo nitratos, amónia e ureia, para determinar os seus efeitos sobre as algas. A ureia foi o único químico que aumentou a produção de ácido domóico e em casos em que o plâncton tinha misteriosamente começado a produzir baixas quantidades do ácido, a adição de ureia duplicava a produção.
Depois de recolher amostras de água ao largo da costa da Califórnia, também descobriram que as concentrações de ureia nas baías de Monterey e San Francisco eram suficientemente altas para justificar alguns florescimentos nocivos recentes de algas.
A ureia não é comum em fertilizantes agrícolas mas está presente em muitos produtos de jardinagem. As estações de tratamento de águas residuais testadas no estudo de Kudela não libertavam grande quantidade de ureia mas tanques sépticos mal vedados já têm libertado ureia na baía de Chesapeake e no golfo do México. "Os animais marinhos libertam pequenas quantidades de ureia mas a questão da poluição é quase inteiramente de origem humana", diz Kudela.
"Este trabalho associa directamente as actividades humanas às centenas de vítimas mortais entre os mamíferos marinhos que resultam da exposição ao ácido domóico", diz Frances Gulland, director de ciência veterinária do Centro de Mamíferos Marinhos de Sausalito, Califórnia.
Ainda que não haja forma de saber de certeza se a ureia causou o famoso incidente que inspirou "Os pássaros", Kudela considera que o poluente devia estar a ser lançado no mar na época. "Havia muita urbanização nova na época, com muitos tanques sépticos não regulamentares."
Kudela tenciona agora analisar outros factores químicos que podem provocar as marés tóxicas de P. australis.
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
Poluição com ureia torna as marés tóxicas
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